segunda-feira , 16 de setembro 2024

Informalidade, precarização e fiscalização prejudicada ‘mascaram’ acidentes no setor

Para CONTICOM-CUT, dados do sistema eSocial do MTE que colocam o setor como um dos que mais matam trabalhadores no Brasil podem ser ainda piores

Os dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) divulgados no mês passado que apontam que o Brasil registrou 2.888 mortes provocadas por acidentes de trabalho em 2023, e que a construção figura no topo da lista dos setores com mais vítimas, podem ser muito piores. Os números são baseados no sistema eSocial do MTE, que também registrou quase meio milhão (499.955) de acidentes típicos no mesmo período.

A avaliação de que há forte risco de subnotificação de casos é de Luiz Carlos de Queiroz, vice-presidente da Confederação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores nas Indústrias da Construção e da Madeira filiados à CUT (CONTICOM), que aponta uma série de fatores que podem “mascarar” os dados. Dentre estes fatores, o principal seria a informalidade do setor.

“Essa estatística do governo, por se basear no eSocial e só registrar casos do chamado trabalho formal, certamente não é completa porque o setor da construção possui uma informalidade estimada em quase 40%. Temos muita gente fazendo bico no puxadinho, em residências, além das empresas que contratam sem o registro em carteira”, lembra Queiroz, que também é diretor do Sindicato da Construção e Mobiliário de Mogi das Cruzes e Região (SintraMog).

 

Luiz Queiróz atua diretamente em fiscalizações sobre Saúde e Segurança no Trabalho

 

Na visão do dirigente da CONTICOM-CUT, que também é técnico em segurança do trabalho, outro fenômeno que também pode estar “mascarando” a real gravidade dos acidentes de trabalho no setor da construção é o da precarização do setor causado pelas terceirizações, que inclusive acontecem também em obras públicas.

“Infelizmente o que vemos no dia a dia é a precarização, seja pela falta de implementação das normas de segurança, seja pela prática adotada em obras públicas na qual a empresa que ganha a licitação usa o dinheiro público para terceirizar ou até quarteirizar o serviço, sem nenhum compromisso social”, diz o dirigente, que representa a CUT no CNTT (Comissão Nacional Tripartite Temática da NR 18).

No setor da construção, ainda segundo os dados divulgados pelo MTE, as principais causas estão relacionadas a queda de altura, soterramento e choque elétrico. Segundo o dirigente, as equipes de fiscalização dos sindicatos filiados à CONTICOM-CUT que visitam as obras constatam que as empresas negligenciam questões básicas de segurança, como adoção de guarda-corpos nas escadas, andaimes e vãos de elevadores, por exemplo.

“Esses números preocupantes já vêm de muito tempo, mesmo reconhecendo que na questão da normatização o Brasil se destaca, pois possui uma das melhores normas [NRs] do mundo. A indústria da construção tem a sua própria regulamentação, a NR-18, mas mesmo o PGR [Programa de Gerenciamento de Risco, da NR-18.4] já contempla a prevenção de todos esses fatores de mortes apontados na pesquisa”, explica Queiroz.

Fiscalização precarizada

O diretor da CONTICOM-CUT lembra ainda que outro aspecto que favorece o alto índice de acidentes de trabalho na construção é a dificuldade na fiscalização da adoção das normas de segurança.

“Temos dificuldade muito grande porque o setor da construção é muito dinâmico, diferente de uma planta industrial, que está sempre lá, no mesmo lugar. Quando fazemos uma denúncia para órgãos como MTE, Vigilância Sanitária, Cerest ou MPT, se o fiscal demorar pra chegar, a obra já evoluiu e o fato denunciado não existe mais”, relata.

Além dessa característica do setor, o Brasil ainda sofre com um enorme déficit de auditores fiscais do trabalho. Segundo informação do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), o país possui 3.644 vagas, mas apenas 1.888 servidores estão na ativa, ou seja, o déficit atualizado é de 1.756 fiscais.

Neste mês de agosto, o Governo Federal realizará um concurso para ocupar 900 vagas de auditores fiscais do trabalho, ou seja, apenas metade do déficit atual.

“Os auditores atuam na prevenção de acidentes, fiscalizando os ambientes de trabalho e notificando, caso haja alguma irregularidade. Com um número tão pequeno de auditores, essa atuação preventiva fica muito prejudicada, já que eles também precisam atender a outras denúncias de irregularidades trabalhistas por todo o país, como trabalho escravo, trabalho infantil, cumprimento de cotas de aprendizagem e de PCDs, entre outras”, explica Rosa Jorge, diretora do Sinait.

Se a análise do déficit de fiscais do trabalho seguir o que sugere a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a situação do Brasil fica pior ainda. De acordo com a Convenção 81 da OIT, ratificada pelo Brasil em 1957, o número ideal de auditores fiscais suficiente para permitir o exercício eficaz das funções de serviço de inspeção deve ser, segundo especialistas, na proporção de um auditor fiscal para cada grupo de 10 mil trabalhadores.

Como o Brasil possui 46,6 milhões de postos de trabalho formais, segundo dados de junho do Novo Caged, o número ideal de auditores fiscais do trabalho de acordo com a orientação da OIT seria de 4.660 servidores. Ou seja, nesse caso, o déficit atual seria de 2.772 fiscais.

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